CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Itabira - MG, 1902 – Rio de Janeiro, 1987


O maior representante brasileiro da poesia do século XX, Drummond encabeça a lista de poetas dos anos 30, com uma linha poética que pratica desde o primeiro Modernismo, com o poema-piada, até a década de 80. Sua poética passa por diversos momentos, abrangendo várias fases, notadamente a época da Segunda Guerra Mundial (década de 40), quando seu momento lírico é excepcional.

Farmacêutico, sem exercer a profissão, foi funcionário público, vivendo no Rio de Janeiro e se dedicando, igualmente, ao papel de cronista. Antes de se mudar para o Rio de Janeiro, na década de 30, funda A revista, onde divulga as idéias modernistas em Minas. Sua poesia não se restringe a esse movimento, mas é marcada pela ironia, pelo anti-retórico e pela contenção. Em rosa do povo, de 1945, faz uma poesia de certa forma engajada, nascida das esperanças surgidas com o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas a partir de Claro enigma, de 1951, registra o vazio da vida humana e o absurdo do mundo, sem nunca abandonar a ironia. Aos 80 anos, em 1982, tinha 19 livros de poesia publicados.

Contexto político – social

Getúlio Vargas, que havia ascendido ao poder com a Revolução de Outubro, em 1930, implantou a ditadura em 1937. O Estado Novo de Vargas promulga uma nova Constituição da República, desta vez muito mais dura e intransigente. A política Varguista e seu departamento de censura (DIP) passam a “examinar” toda a produção artística.

O início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, coloca a máquina nazista em ação. Nesta época o Brasil posiciona-se, por força da inclinação fascista de Getúlio, ao lado dos italianos e alemães. Só mais tarde é que o país renegará o Eixo e apoiará os Aliados.

Características da Poesia dos anos 30

Os poetas da geração de 30 tiveram grande preocupação social. A necessidade de compreender o mundo transformado pela guerra e pelas crises sucessivas fez com que procurassem uma interpretação da realidade, tentando entender o dinamismo das relações do homem com o universo que habita. Assim, por exemplo, as poesias de Drummond e de Murilo Mendes analisam o destino do ser humano como um todo. Essa visão abrangente do homem também aparece em Cecília Meireles e Vinicius de Moraes.

Produção literária e caracterização

Em Drummond podemos distinguir várias linhas poéticas:

*A poesia saudosista da família e da terra natal, refletida em vários poemas, como se vê neste trecho de um poema de Alguma poesia, sua primeira obra:

Infância

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo,
minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
(...)
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
Eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

* A poesia intimista do “eu retorcido”, que aponta no poeta uma percepção da realidade de forma autêntica e cruel, como neste trecho de Os ombros suportam o mundo, extraído de Sentimento do mundo:

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
(...)
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

* A poesia política, de participação social, que se encontra especialmente na coletânea A rosa do povo:

Nosso tempo-I

Este é o tempo de partido,
tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.
(...)
Este é tempo de divisas,
tempo de gente cortada.
De mãos viajando sem braços,
obscenos gestos avulsos.

* A poesia metafísica, de reflexão sobre a essencialidade humana, na tentativa de compreender profundamente a realidade. De Claro enigma, trechos do poema Amar ilustram isso:

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre,e até de olhos vidrados, amar?
(...)
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
(...)

*O poema-objeto, em que explora a mensagem sintética e telegráfica, à moda dos primeiros futuristas. A enumeração caótica, a extrema economia de palavras predominam nessa linha, que pode sr exemplificada com esse trecho de um poema do livro Lição de coisas:

Isso é aquilo

O fácil o fóssil
o míssil o físsil
a arte o enfarte
o ocre o canopo
a urna o farniente
a foice o fascículo
a lex o judex
o maiô o avô
a ave o mocotó
o só o sambaqui
(...)

POESIA: Alguma poesia; Brejo das almas; Sentimento do mundo; Poesias & José; A rosa do povo; Poesia até agora; Claro enigma; Viola de bolso; Fazendeiro do ar & Poesia até agora; Viola de bolso novamente encordoada; A vida passada a limpo; Lição de coisas; Obra completa; Versiprosa; José & outros; Boitempo & A falta que ama; Versiprosa II; Menino antigo - BoitempoII; As impurezas do branco; Amor, amores; A visita; Discurso de primavera & Algumas sombras, O marginal Clorindo Gato; Esquecer para lembrar-Boitempo III; A paixão medida; Corpo; Amar se aprende amando; Amor, sinal estranho; Poesia errante; O amor natural.

PROSA: Confissões de Minas; Contos de aprendiz; Passeios na ilha; Fala, amendoeira; A bolsa & a vida; Cadeira de balanço; Caminhos de João Brandão; O poder ultrajovem; De notícias & não notícias faz-se a crônica; Os dias lindos; Contos plausíveis; Boca de luar; O observador no escritório; Tempo, vida, poesia; O avesso das coisas; Moça deitada na grama.

No poema abaixo selecionado do livro Sentimento do mundo, comparece o poeta participante e ávido por se integrar em seu tempo:

Confidência do itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Estes outros poemas foram extraídos do trágico-irônico Alguma poesia. Esse livro, que inaugura a geração dos poetas de 30, é importante dentro da notável obra de Carlos Drummond de Andrade, seguramente a grande poesia do século XX no Brasil.

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo
Que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
Que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
Que não tinha entrado na história.


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