Quem se atreveria a dizer que o desenho de Rembrandt de um elefante é necessáriamente menos perfeito porque mostra menos detalhes? Na verdade, era dotado de um tal poder de magia que , com traços de seu giz, nos transmite a sensação da pele rugosa e grossa do elefante.
O maior pintor da Holanda, e um dos maiores que a arte conheceu até hoje, foi Rembrandt (1606-1669), que era uma geração mais jovem que Rubens, e sete anos mais jovem que Velázquez.
Não anotava suas observações, não foi um gênio tão admirado, não era diplomático. Contudo, parece-nos conhecermos Rembrandt talvez melhor, mais intimamente, porque ele nos legou um espantoso registro de sua própria vida em uma série de auto-retratos que vão desde o tempo de sua juventude, quando era um mestre vitorioso e mesmo muito em voga, até a velhice de um homem realmente grande, cuja face refletia a tragédia da bancarrota. Todos esses retratos se combinam numa incomparável autobiografia. Um dos auto-retratos nos seus últimos anos de vida não nos mostra um belo rosto, e nunca tentou esconder sua fealdade. Observou-se num espelho absolutamente sincero. E por causa dessa sinceridade, depressa esquecemos as indagações sobre beleza ou finura. Temos, diante de nós, o rosto de um ser humano real. Não há qualquer sinal de pose, nenhum indício de vaidade, apenas o olhar penetrante de um pintor que examina atentamente as próprias feições, sempre disposto a aprender mais sobre os segredos do rosto humano. Senão, não teria criado seus grandes retratos, como o de seu benfeitor e amigo, Jan Six, 1654.
Rembrandt parece sempre mostrar-nos a pessoa por inteiro. Ele se comprazia em seu virtuosismo, na habilidade com que era capaz de sugerir o brilho de alamares e guarnições douradas, ou do jogo de luz na gola e nos punhos de renda. Proclamava o direito do artista de só considerar uma pintura terminada “quando seu objetivo foi alcançado”; e assim, deixou a mão enluvada como um simples esboço.
Nos grandes retratos de Rembrandt sentimo-nos frente a frente com pessoas de verdade, sentimos seu calor humano, sua necessidade de simpatia e também sua solidão e sofrimento. Aqueles olhos penetrantes e firmes que conhecemos tão bem dos auto-retratos, devem ter sido capazes de olhar diretamente no coração humano. Ele era capaz, por assim dizer, de penetrar as pessoas e saber como se comportariam em qualquer situação prevista. É esse o dom que torna suas ilustrações de passagens bíblicas tão diferente de tudo que fora feito antes. Na Parábola do Servo Desalmado (1655), o desenho se explica por si mesmo. Vemos o amo no dia da prestação de contas, seu contador examinando as dívidas do servo num grande livro. Vemos, pela postura do servo, cabisbaixo, as mãos remexendo no bolso, que ele não tem condições de pagar o que deve. As relações dessas três pessoas entre si, o contador atarefado, o nobre amo e o servo culpado, foram expostas com meia dúzia de traços. Dificilmente precisa de gestos ou movimentos para expressar o significado íntimo de uma cena. Ele nunca é teatral.
Em A reconciliação de Davi e Absalão (1642), vestiu Davi como um indiano ou turco, ostentando um grande turbante, e deu a Absalão uma longa cimitarra. Sua visão de pintor fora atraída pelo esplendor dessas roupas e pela oportunidade que lhe proporcionavam de exibir o jogo de luz sobre o precioso tecido e o fulgor do ouro e das pedrarias. A primeira impressão de muitas de suas pinturas é, inicialmente um tom castanho escuro. Mas esses tons escuros conferem ainda mais poder e força ao contraste com um punhado de cores vivas e brilhantes. O resultado é que a luz quase parece ofuscar. Usou esses efeitos para adensar o dramatismo da cena. O que poderia ser mais comovente do que o gesto do jovem príncipe, em suas vestes opulantes, enterrando o rosto no peito paterno, ou o rei Davi em sua aceitação muda e piedosa da submissão do filho? Embora não vejamos o rosto de Absalão, sentimos perfeitamente o que ele deve sentir.Rembrandt também foi artista gráfico. Sua técnica chama-se água –forte. Em vez de raspar a lâmina de cobre, cobre-a com cera, na qual desenha com uma agulha. Onde a agulha passa, a cera é removida e o cobre fica descoberto. Em seguida, se coloca a lâmina num ácido, o qual corrói o cobre onde não existe mais cera, desse modo transferindo o desenho para a lâmina. Pode então ser impressa da mesma forma que uma gravura e a única forma de distinguir uma água-forte de uma gravura é examinando a qualidade das linhas.
Uma de suas águas-fortes, Cristo pregando (1652), os pobres e humildes juntam-se à Sua volta para ouví-Lo. Aqui vemos os judeus, sentados e de pé, todos juntos, uns ouvindo, extasiados, outros refletindo sobre as palavras de Jesus, e ainda outros, como o homem gordo ao fundo, talvez escandalizados pelo ataque de Cristo aos fariseus. As pessoas habituadas às belas figuras da arte italiana ficam chocadas, ocasionalmente, quando vêem pela primeira vez as telas e gravuras, pois ele parece não dar a menor importância à beleza, e nem mesmo evitar uma fealdade nua e crua. Tinha absorvido a mensagem de Caravaggio que também atribuía a verdade e a franqueza um valor muito mais alto do que à harmonia e à beleza. Poderíamos dizer que o velhote macilento no canto direito da água-forte, agachado, a mão no queixo e os olhos erguidos para o alto, completamente absorto, é uma das mais belas figuras jamais desenhadas. Nada poderia ser mais equilibrado que esse grupo formando um círculo ao redor de Jesus, porém mantendo- se a uma distância respeitosa. Nessa arte de distribuição de massa de gente, em grupos aparentemente casuais, e no entanto, perfeitamente harmoniosos, Rembrandt devia muito à tradição da arte italiana, que ele jamais menosprezava. Sua popularidade declinou quando ele tornou a arte mais profunda e intransigente.
O pintor foi um analista de seu tempo. O que distingue sua pintura é o naturalismo, a Holanda de sua época era de cultura protestante, a arte não existia por estar vinculada à Igreja, as obras dos pintores holandeses estavam por toda a parte, menos nas igrejas. Os temas bíblicos ocupavam lugar relativamente modesto, predominando assim representações da vida cotidiana.e Rembrandt talvez tenha sido o maior representante dessa tendência. Evolui do Naturalismo para o Barroco e afasta-se deste quando o gosto do público holandês inclina-se para o Classicismo, isola-se do público de seu tempo, mas realiza uma arte pessoal e avançada. Na sua evolução artística, o mestre holandês encaminhou-se para o retrato. Fez sessenta auto-retratos. Ele buscava menos retratar um indivíduo e sim captar determinado estado psicológico por meio das feições. O conceito de beleza foi totalmente deslocado, pois o que importava para ele era a interação do físico com o espiritual. Deu um tratamento revolucionário aos retratos coletivos, grande tradição na Holanda corporativista do séc. XVII. De 1630 a 1640, ele conheceu seu período Barroco - as telas ficaram imensas e as personagens integraram-se no espaço irracional e mágico do claro- escuro. Já o caravaggismo adquiriu, com ele, novo sentido - o artista procurou assimilar a liberdade do movimento e a busca constante da realidade e dos meios de transmiti-la. Seu período de 1650 a 1660 seria redescoberto pelo Impressionismo. Em suas últimas obras, tudo é expresso por meio da linguagem espontânea, de uma cor sem limites, amplamente livre.
Outras obras: Aula de Anatomia do Doutor Tulp, Apresentação no Templo, A ronda da noite, Filósofo Meditando.
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